Opinião
Direito de culto ou direito à vida? Eis a questão
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Mais uma decisão monocrática de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) criou uma enorme polêmica no mundo jurídico. Em meio ao pior momento da pandemia da Covid-19 no país, o ministro mais jovem da Corte, Kassio Nunes Marques, decidiu no último sábado, 3, (sábado de Aleluia), que igrejas e templos poderiam abrir as portas para a realização de celebrações religiosas, seguindo o limite de 25% de capacidade do público. Assevere-se que a decisão contrariou as medidas de alguns estados e municípios que determinaram a suspensão temporária de eventos com aglomerações presenciais. A decisão do ministro Kassio está na contramão de decisões recentíssimas do plenário da Corte Suprema que, entre outras, reconheceu autonomia dos governadores e prefeitos para decretarem medidas de isolamento para o combate à doença.

Nunes Marques julgou a liminar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) impetrada pela Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure), que sustentou que a suspensão dos cultos e missas viola o direito fundamental à liberdade religiosa e o princípio da laicidade estatal. O ministro pontuou que a atividade religiosa é essencial, senão vejamos: “Reconheço que o momento é de cautela, ante o contexto pandêmico que vivenciamos. Ainda assim, e justamente por vivermos em momentos tão difíceis, mais se faz necessário reconhecer a essencialidade da atividade religiosa, responsável, entre outras funções, por conferir acolhimento e conforto espiritual”. Observou ainda o Ministro Nunes Marques: “Estamos em plena Semana Santa, a qual, aos cristãos de um modo geral, representa um momento de singular importância para as celebrações de suas crenças — vale ressaltar que, segundo o IBGE, mais de 80% dos brasileiros declararam-se cristãos no Censo de 2010”.

Nunes Marques destacou, ainda, que diversas atividades essenciais continuam durante a pandemia, como o transporte coletivo, supermercados, farmácias, postos de gasolina, etc., fato que evidencia a inadequação de não permitir a celebração dos cultos e missas.

Asseverou Nunes Marques, ao destacar que a Constituição assegura o livre exercício dos cultos religiosos, que “A lei, decreto ou qualquer estatuto que, a pretexto de poder de polícia sanitária, elimina o direito de realizar cultos (presenciais ou não), toca diretamente no disposto na garantia constitucional”.
A decisão de Nunes Marques ganhou ainda mais destaque com a resposta imediata do prefeito de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, Alexandre Kalil (PSD) que  ameaçou não seguir a decisão do ministro, com a seguinte mensagem nas redes sociais: “Em Belo Horizonte, acompanhamos o Plenário do Supremo Tribunal Federal. O que vale é o decreto do Prefeito. Estão proibidos os cultos e missas presenciais”. Entretanto, após uma série de idas e vindas, Kalil decidiu e informou nas redes que iria obedecer a decisão do novo ministro do STF. 

E nesta segunda-feira, dia 5, o tema continuou quente com a negativa do Ministro Gilmar Mendes, em pedidos do Conselho Nacional de Pastores do Brasil e do PSD, para derrubar o decreto do governo de São Paulo que vetou atividades religiosas coletivas presenciais durante as fases mais restritivas do plano de combate ao coronavírus. Porém, diversamente a Nunes Marques, Gilmar Mendes, após indeferir a liminar nas referidas ações, afetou, com urgência, a matéria ao Plenário da Corte Superior, objetivando uniformizar a questão. Tudo indica que será posta em votação na próxima quarta-feira (7) no plenário do STF.

Ressalte-se que o Ministro Gilmar destacou que “Em um cenário tão devastador, é patente reconhecer que as medidas de restrição à realização de cultos coletivos, por mais duras que sejam, são não apenas adequadas, mas necessárias ao objetivo maior de realização da proteção da vida e do sistema de saúde”. Gilmar Mendes destacou ainda que em “Uma ideologia que nega a pandemia que ora assola o país, e que nega um conjunto de precedentes lavrados por este Tribunal durante a crise sanitária que se coloca”.

Gilmar avançando na análise disse que “As medidas impostas foram resultantes de análises técnicas relativas ao risco ambiental de contágio pela covid-19 conforme o setor econômico e social, bem como a necessidade de preservar a capacidade de atendimento da rede de serviço de saúde pública”.

As decisões indicam uma guerra de narrativas a serem esclarecidas no Plenário e estão a causar uma verdadeira insegurança jurídica em questões que já pareciam pacificadas na Corte. Cumpre relembrar que a Corte por duas oportunidades reconheceu que estados e municípios, juntamente com a União, são responsáveis pela gestão da saúde pública no país, sendo certo que locais são autônomos para a regulação da vida de seus munícipes, obviamente dentro dos parâmetros da constituição, em especial, dos direitos fundamentais. Ademais, não se pode olvidar que a Lei 13.979/2020, editada para regulamentar as atividades durante a pandemia da Covid-19, permite que estados e municípios, dentro de suas competências, possam restringir atividades, com escopo de salvaguardar vidas.

Por fim, tenho sérias dúvidas em relação a legitimidade da Associação Nacional de Juristas Evangélicos para o manejo da ADPF cuja liminar foi decidida monocraticamente pelo ministro Kassio Nunes Marques.

Nesse momento o que vale mais: direito de culto ou direito à vida? Com a palavra, novamente, o Supremo Tribunal Federal!

*Marcelo Aith é advogado especialista em Direito Público e professor convidado da Escola Paulista de Direito (EPD).

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