Opinião
Quando a política destrói pontes e levanta barreiras
Hugo Garbe é professor de Ciências Econômicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)
Hugo Garbe é professor de Ciências Econômicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)

Uma simples correspondência diplomática foi suficiente para desencadear uma crise de confiança. Na carta enviada a Brasília, Donald Trump não apenas pediu a interrupção imediata do julgamento de Jair Bolsonaro, como anexou uma ameaça direta: tarifas de 50% sobre produtos brasileiros caso sua exigência não fosse atendida. Essa ação, embora aparentemente pontual, revela o quão vulnerável é o equilíbrio econômico global quando decisões políticas e judiciais passam a ser instrumentalizadas como peças de barganha no comércio internacional.

A economia contemporânea é fortemente interconectada. Uma elevação tarifária dessa magnitude compromete cadeias produtivas inteiras, reduzindo a competitividade dos produtos nacionais, afetando margens de exportadores e pressionando custos internos. O efeito imediato seria a valorização do dólar, com impactos diretos na inflação e na taxa de juros. Esse cenário gera um ambiente de maior aversão ao risco, inibindo investimentos estrangeiros e ampliando a percepção de instabilidade institucional. Mercados financeiros, que precificam expectativas, rapidamente reagem negativamente a qualquer sinal de ruptura na previsibilidade das relações comerciais.

Mais grave é a sinalização de precedentes. Quando se abre espaço para que instituições soberanas – como o Poder Judiciário – sejam alvo de chantagens políticas externas, a credibilidade jurídica do país é colocada em xeque. E credibilidade é um ativo intangível, mas central para reduzir prêmios de risco e atrair capital produtivo.

Na prática, investidores passam a incorporar um “custo Brasil” ainda mais elevado, refletido em taxas de financiamento mais caras e em uma menor disposição para projetos de longo prazo. A deterioração não é apenas conjuntural, pode gerar efeitos estruturais de médio e longo prazo.

Além disso, há uma dimensão sistêmica: usar tarifas como instrumento de pressão política fragiliza o arcabouço multilateral construído para dar estabilidade ao comércio global.

Ao desconsiderar regras da Organização Mundial do Comércio, os Estados Unidos abrem espaço para que outras nações adotem medidas similares, alimentando um ciclo de retaliações que reduz a eficiência das trocas internacionais. Para um país como o Brasil, cuja pauta exportadora é concentrada em commodities e depende de acordos previsíveis, essa erosão institucional é particularmente nociva.

Nesse contexto, a reação brasileira deve ser cuidadosamente calibrada. Retaliar com medidas tarifárias ou recorrer a instâncias multilaterais, como a OMC, é um caminho legítimo, mas que exige tempo e diplomacia estratégica.

O pior cenário seria agir de forma precipitada, aprofundando a instabilidade. Em situações como essa, é fundamental manter a separação entre política doméstica e relações comerciais, preservando a integridade institucional e, sobretudo, demonstrando ao mercado internacional que o país não se submeterá a pressões que coloquem em risco a segurança jurídica interna.

No fim, esse episódio evidencia uma verdade recorrente na história econômica: crescimento sustentável exige previsibilidade política, estabilidade institucional e respeito a regras claras. Quando esses pilares são corroídos por disputas ideológicas, os impactos vão muito além de tarifas, afetam a confiança, o investimento e a capacidade de geração de riqueza. Reconstruir essa confiança, uma vez abalada, é sempre mais caro do que qualquer negociação diplomática.

*Hugo Garbe é professor doutor de Economia do Mackenzie.

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