Opinião
Entre máscaras e espelhos: a literatura como ciência da condição humana
Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da UFT.
Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da UFT.

É preciso dizer sem rodeios: quem não lê literatura está em grave déficit com a própria experiência humana. A leitura literária, muitas vezes tratada como mero deleite estético ou obrigação escolar, é, em sua essência, um exercício radical de humanidade. Não exagero ao afirmar que a literatura constitui um teatro da vida, um palco simbólico onde dramas, dilemas, paixões e misérias humanas são encenados com tal maestria que se tornam espelhos fiéis da própria existência.

A literatura não é um espelho inerte, tampouco um retrato mimético da realidade. Ela é uma projeção viva, vibrante, polifônica de experiências acumuladas pela humanidade, e, por isso, carrega um potencial inestimável de conhecimento. Quem lê, vive mais vidas; quem interpreta, compreende melhor a própria. Nessa medida, a literatura ultrapassa o campo do entretenimento e se instala como saber fundamental sobre a condição humana.

Tome-se como exemplo algumas obras clássicas: Otelo, As relações perigosas, Madame Bovary, Ana Karenina, O primo Basílio, Memórias póstumas de Brás Cubas. Todas elas gravitam em torno de uma constante da vida humana: a traição. Essa recorrência não é fortuita. Ela aponta para o caráter universal e atemporal da literatura, que se alimenta das pulsões mais íntimas e das contradições mais explícitas do viver. Não se trata de afirmar que a arte imita a vida (dicotomia já desgastada), mas de reconhecer que a literatura elabora, amplia e complexifica a vida, oferecendo uma lente privilegiada para lê-la.

Diante disso, é necessário propor, com seriedade, uma teoria literária que se coloque como ciência da vida (isso quer dizer: elevar tal área do conhecimento a um novo patamar ainda não visto). Não no sentido estreito de uma sistematização formal, mas como uma epistemologia que considere a narrativa como fenômeno existencial. O texto literário não apenas diz algo sobre o mundo; ele forma, transforma, tensiona e, por vezes, redime o próprio mundo vivido.

É precisamente nesse ponto que a crítica literária precisa reformular-se. Basta de leituras que reduzem a literatura a movimentos, estilos ou escolas. É urgente voltar-se à vida pulsante nos textos, às performances das personagens, aos dramas simbólicos que se articulam em suas tramas. Uma leitura que se propõe a ser também vivência é atravessada por sensibilidade, historicidade e intuição crítica.

No direcionamento acima, todo texto literário é uma encenação. Nele, máscaras sociais são constantemente manipuladas, vestidas e descartadas, tal como ocorre no cotidiano. O indivíduo real, como a personagem, opera entre o ser e o parecer, entre a intenção e a consequência. Neste grande palco que é a sociedade, todos, em alguma medida, desempenham papéis. A literatura apenas explicita, com sutileza e profundidade, aquilo que o cotidiano frequentemente encobre.

Não se trata, portanto, de defender uma literatura utilitária ou didática, mas de resgatar seu valor epistemológico (advindo da teoria do conhecimento). Ler não é apenas absorver conteúdo, é, principalmente, ensaiar-se para o mundo. Assim como o teatro prepara o ator, a literatura prepara o sujeito à vida. A leitura literária (trans)forma perspicácia em sagacidade, empatia em sabedoria, jamais se esgotando nesses binômios. 

Se há uma conclusão a tirar de tudo o que aqui foi dito, é que o estudo literário precisa resgatar sua potência originária: ser um saber sobre a vida. Para que a literatura siga fazendo sentido em qualquer tempo, e principalmente para qualquer sujeito, urge pensá-la como ciência do humano, como cartografia da experiência, como um teatro no qual todos, leitores ou não, já estão em cena.

*Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da Universidade Federal do Tocantins (UFT).

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