Opinião
INSS libera complemento de contribuições abaixo do mínimo, até após a morte
Simone Lopes é advogada especialista em Direito Previdenciário.
Simone Lopes é advogada especialista em Direito Previdenciário.

Um detalhe que antes parecia insignificante — uma pequena diferença no valor das contribuições mensais ao INSS — foi, por anos, motivo suficiente para negar benefícios previdenciários a milhares de brasileiros. Agora, esse cenário começa a mudar. A recente decisão da Turma Nacional de Uniformização (TNU), firmada no Tema 359, representa uma guinada no entendimento jurídico sobre o tema: contribuições abaixo do salário mínimo podem ser corrigidas a qualquer tempo, inclusive após a morte do segurado, assegurando direitos previdenciários que antes eram perdidos por centavos.

A mudança é significativa. Na prática, permite que trabalhadores que contribuíram como facultativos de baixa renda — e que por algum motivo recolheram valores abaixo do piso — possam complementar esses recolhimentos mesmo anos depois. Isso garante o cômputo dessas contribuições para fins de carência e qualidade de segurado, requisitos indispensáveis para a concessão de benefícios como auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e pensão por morte.

Mais do que uma questão contábil, a decisão da TNU é um gesto de justiça social. Ela reconhece que falhas burocráticas ou dificuldades econômicas não podem se sobrepor ao direito fundamental à proteção previdenciária. Permitir que dependentes façam a complementação após o falecimento do segurado — e que os efeitos financeiros do benefício retroajam à data do evento incapacitante ou do óbito — é reconhecer a importância do sistema previdenciário como um instrumento de amparo, e não de exclusão.

Até então, o entendimento dominante era restritivo: contribuições insuficientes simplesmente não contavam. O segurado perdia a condição de segurado, a carência era desconsiderada e o benefício era negado, mesmo que a diferença fosse mínima. O novo posicionamento da TNU traz racionalidade ao sistema. Afinal, se o trabalhador já havia contribuído e faltou pouco para atingir o valor exigido, por que não permitir a complementação retroativa?

O impacto prático da decisão é amplo. De um lado, proporciona maior segurança jurídica para quem enfrenta pedidos negados em processos administrativos e judiciais. De outro, representa uma chance de revisão para benefícios indeferidos no passado. Para muitas famílias, especialmente as de baixa renda, essa possibilidade pode significar o acesso a pensões antes recusadas ou a concessão de benefícios por incapacidade que foram injustamente negados.

A tese firmada pela TNU é clara: a complementação posterior viabiliza não apenas o reconhecimento das contribuições, mas também a manutenção da qualidade de segurado e a contagem da carência. Mais que isso, autoriza a fixação da Data de Início do Benefício (DIB) de forma retroativa, com efeitos financeiros desde então — uma inovação que rompe com a lógica excludente anterior.

Há, evidentemente, implicações operacionais para o INSS. A autarquia deverá se adaptar à nova interpretação e revisar procedimentos, inclusive treinando servidores para lidar com essa reviravolta jurídica. Mas essa não deve ser uma justificativa para resistência. A decisão da TNU está em sintonia com o espírito da Constituição: assegurar proteção social efetiva, especialmente aos mais vulneráveis.

Num país em que o acesso à Previdência ainda é marcado por barreiras e formalismos, decisões como essa têm o poder de reconstruir trajetórias interrompidas e reparar injustiças silenciosas. Não se trata de abrir brechas para fraudes, mas de reconhecer que falhas mínimas — muitas vezes alheias à vontade do segurado — não devem inviabilizar o acesso a direitos fundamentais.

Para quem teve benefícios negados por contribuições abaixo do mínimo, ou para familiares de segurados que faleceram nessa condição, a recomendação é clara: vale a pena buscar orientação jurídica. A revisão pode significar a diferença entre o desamparo e a proteção. E, mais do que isso, representa o resgate da dignidade de quem sempre confiou na Previdência como rede de apoio nos momentos mais difíceis da vida.

*Simone Lopes é advogada especialista em Direito Previdenciário e sócia do escritório Lopes Maldonado Advogados.

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