Opinião
Liberdade, liberdade abra as asas sobre nós
Paulo Henrique Costa Mattos é historiador, sociólogo e professor da UnirG.
Paulo Henrique Costa Mattos é historiador, sociólogo e professor da UnirG.

Nesse dia 13 de maio, estaremos diante de 137 anos de abolição formal da escravidão no Brasil. Esse evento é até hoje celebrado como uma benesse de uma Princesa branca chamada Isabel, com a assinatura da Lei Áurea, em 1888.

Mas como em toda fábula ou conto de fadas infantil tem-se que construir a partir de uma narrativa, a princesa branca, bondosa e sensível ao sofrimento dos negros e negras escravizados os libertou por vontade própria e a partir daí todos foram felizes para sempre. Só que não, o que essa estória não conta é que, na época, o sistema socioeconômico que se apoiava na escravidão estava em crise e que a luta e a rebeldia constantes de negros e negras aquilombados, já havia forçado a liberdade de mais de 90% dos afrodescendentes, que já se encontravam livres em 1888.

Portanto, o suposto ato magnânimo da princesa não foi um gesto de bondade, foi o resultado de lutas centenárias que tiveram como maior exemplo o Quilombo dos Palmares, entre o final dos anos 1500 e 1695, liderado por Zumbi e Dandara em sua última fase. Exemplo de um processo muito mais amplo, que se estendeu por todo país, através de quilombos que surgiram em todos os cantos, onde havia escravizados. Algo fundamental no desgaste do sistema ao qual eles serviam.

O “fim da escravidão negra” e a “democracia racial” sempre foi uma farsa no Brasil. Os negros brasileiros supostamente "libertos", não tiveram acesso à terra, à moradia, a empregos decentes, a educação, a saúde, a promoção social... O fim da escravidão não foi acompanhado por políticas de reparações aos negros e negras pelos quatro séculos de trabalhos forçados, perseguições, torturas, estupros, crueldade e encarceramento. E muito menos significou o fim do racismo. Tanto que nos últimos 137 anos a escravidão de negros, pobres e marginalizados foi permanente.           

Atualmente o trabalho análogo a escravidão não é mais apenas negro, todavia pesquisas indicam que 88% dos escravizados libertados no Brasil contemporâneo são negros. Na agricultura, na pecuária, no desmatamento, nas carvoarias, na construção civil, na indústria têxtil, no trabalho doméstico, enfim nas diversas cadeias produtivas da economia brasileira.                          

O capitalismo brasileiro fez sua “acumulação primitiva” com a escravidão, se fortaleceu com ela e, até hoje a continua usando para gerar lucros com suas práticas econômicas superexploratorias e racistas. A combinação entre opressão e a exploração da mão de obra faz parte da própria essência do sistema capitalista no geral e, por isso, ele nunca deu conta de libertar o povo negro, que no Brasil continuou estigmatizado, marginalizado e sofrendo as graves consequências do racismo, ocupando as margens do mercado de trabalho brasileiro, sofrendo com a precarização do trabalho, morando nas periferias das cidades, sem saneamento, trabalho digno, sendo mortos aos milhares pela polícia, grupos de extermínio e o próprio Estado nacional. O Brasil é e sempre foi um Estado estruturalmente racista, comandado por burguesias que sempre coisificaram, desumanizaram e inferiorizaram os negros e negras brasileiros.

Quase um século e meio depois da abolição formal da escravidão, negros e negras continuam acorrentados à miséria, à fome; aos piores empregos, à precarização e ao desemprego; à falta de acesso aos serviços públicos fundamentais, aos direitos trabalhistas e previdenciários. E, o mais grave, sujeitos a uma violência racista e um genocídio sistemático nas periferias. Preto e pobre no Brasil são exterminados.

Atualmente a violência impulsionada pela política genocida de governadores da extrema direita (como em Goiás, São Paulo e no Rio de Janeiro), que desenvolvem políticas de Segurança Pública baseadas na marginalização e no extermínio, ao invés de enfrentar todas formas de exclusão social e precarização da vida que leva a população negra a falta de qualidade de vida.

Hoje, em pleno século 21, a escala 6×1 representa uma forma de “escravidão moderna”, análoga ao período escravocrata, que afeta principalmente, a população negra, sem direito ao descanso, ao lazer ou à vida digna. O trabalho doméstico continua predominante dentre as mulheres negras, pobres e periféricas, submetendo-as a condições precárias, à vulnerabilidade e às mais diversas formas de violação de direitos humanos... Por isso, nesse 13 de maio devemos lembrar que ainda é tempo de resistência de desafiar a ordem escravocrata que inspirou gerações de lutadores pela liberdade. A narrativa oficial que atribui à Princesa Isabel a "libertação" dos escravos é uma distorção histórica que apaga a luta dos próprios afrodescendentes na conquista de sua liberdade. Portanto, é fundamental que reconheçamos a complexidade e a profundidade da luta contra a escravidão e seus legados, e que trabalhemos para construir uma sociedade mais justa e igualitária para todos. Esse 13/05 é momento de memória, luta e   resistência. Sem isso a farsa da democracia racial e o fim da escravidão vai continuar.    

*Paulo Henrique Costa Mattos é historiador, sociólogo e professor da UnirG.

Veja Também

O presidente do Sebrae, Décio Lima, afirma que iniciativa é uma ação do Brasil soberano, que abre novos caminhos...
Um relatório intitulado “PIB da Música”, divulgado com exclusividade pela Associação Nacional da Indústria da Música (ANAFIMA), revela que o setor musical brasileiro movimentou...
Objetivo é ampliar debate com parlamentares, especialistas e consumidores diante de riscos de monopólio e aumento de preços no setor pet...
Segundo a entidade, um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre o percentual estimado de pessoas com deficiência visual...
O levantamento aéreo vai analisar a viabilidade de ocupações e subsidiar estudos para futuros processos de regularização fundiária...
O índice acumula queda de 1,35% no ano e alta de 3,03% nos últimos 12 meses. Em agosto de 2024, o IGP-M subira 0,29% no mês...
A demanda por essa ação específica em Formoso do Araguaia partiu de uma solicitação do prefeito daquele município, Israel Borges...
Ao todo, 1.884.035 contribuintes receberão R$ 2,92 bilhões. A maior parte do valor, informou o Fisco, será para contribuintes sem...
O julgamento terá ampla cobertura jornalística. A Corte recebeu 501 pedidos de credenciamento...
A estrutura do evento já está quase finalizada, segundo a gestão de Palmas: o palco, estandes, tendas e...
O vice-governador esteve presente em três importantes eventos no Tocantins: a festa alusiva ao Dia do Soldado, em Porto Nacional; a final da...
Bancos e instituições financeiras estão impedidos de aceitar novos contratos firmados apenas com a assinatura do representante legal...
Segundo o diretor-presidente da Infra S.A., o Brasil vive um momento de retomada na infraestrutura, com grandes oportunidades...
A taxa de desocupação corresponde ao percentual de pessoas que estão sem trabalho, mas em busca de uma oportunidade. Segundo...
A Vila Sertões estará no Centro de Convenções Arnaud Rodrigues, em Palmas (TO). A abertura da área de box para as equipes será no...
O projeto é coordenado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) e envolve quatro fases de atuação, incluindo esta etapa de serviços itinerantes...
A criação da cobrança seria para custear a malha viária municipal, sobrecarregada pelo aumento do tráfego após colapso da ponte entre...
Desde junho, Ministério Público acompanha e fiscaliza a situação da Ala Ortopédica do Hospital Geral de Palmas...

Mais Lidas

Agenda Cultural

Articulistas

Atividade Parlamentar

campo

Esporte

Meio Jurídico

Patrocinado

Polícia

Sociedade em Foco

Universo Espiritual

Publicidade Institucional