Opinião
Os novos ditadores
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Michael J. Sandel, o celebrado filósofo de Harvard, em entrevista ao jornal Folha de São Paulo (03/08/2023), expõe seu pensamento sobre a democracia, tema recorrente de seus livros e palestras, acentuando, agora, o que denomina de “ditadura do algoritmo’, entidade responsável pela polarização corrosiva dos sistemas democráticos.

Os algoritmos são usados por grandes corporações como alavanca de seus negócios e, hoje, principalmente, pelas empresas de tecnologia, sendo estas guiadas por uma teia de conteúdos, onde se abrigam mentiras, desinformação e versões. Os impactos aparecem no adensamento da polarização.

Puxando o fio do rolo temático para análise do que ocorre no seio das nações, sejam elas regidas pelo liberalismo, pela social-democracia ou sistemas autoritários, transparece a feição populista, com seus modos de expressar o perfil dos dirigentes, moldando sua forma de agir ao gosto das massas.

O populismo é um dos mais antigos vírus da política, aparecendo, desde priscas eras, no dedo do imperador romano apontando para cima ou para baixo e determinando se o gladiador, derrotado na arena, deveria ser morto pela espada do adversário ou viver. Os ditadores tinham como facho a política do panis et circenses.

Ao longo da história, o populismo construiu um conjunto de regras e métodos, cuja inspiração tem como lastro a frase atribuída a Maquiavel – os fins justificam os meios -, mas, na verdade, de autoria do poeta Ovídio, na obra Heroides. O conceito traz a ideia de que a ética pode ser ignorada quando houver uma sólida base para tanto. Vale tudo para se alcançar o que se deseja, principalmente quando se tratar da conquista do poder.

O ditador Francisco Franco dizia: “Deus colocou em nossas mãos a vida de nossa Pátria para que a governemos”. Tinha como referência o direito divino: “Caudillo da Espanha pela graça de Deus”. O marechal Idi Amin, de Uganda, garantia que conversava com Deus, chegando a responder a um jornalista que lhe perguntou “com que frequência havia essas conversas?”. Ele respondeu: “só quando necessário”.

O que caracteriza o populismo? Alguns fatores são lembrados pela ciência política. Dentre eles, a ligação direta dos populistas com as massas, sobrepondo-se às instituições do Estado. O discurso nacionalista é outro componente, principalmente quando a questão é a economia. O populismo desfralda a bandeira da união das massas, e, no embalo, denuncia a responsabilidade das elites. É claro que age sob a fragilidade de um sistema partidário formado pelos catch all parties  “partidos do agarra tudo o que puderem”, como designa o constitucionalista alemão, Otto Kirchhemeier.

Na América Latina, o mais simbólico caso de populismo é o da Argentina, com a figura de Juan Domingo Perón, presidente da Argentina entre 1946 e 1955 e 1973-1974, coronel do exército que ascendeu politicamente durante um período em que o país era governado pelo Grupo de Oficiais Unidos (GOU), composto por militares fascistas.

Puxemos o fio do novelo para o Brasil e nos fixemos na história mais recente. Entre 1946 e 1964, conhecido como Quarta República, vivemos um ciclo populista. Os principais presidentes desse ciclo foram Eurico Gaspar Dutra (1946-51), Getúlio Vargas (1951-54), Juscelino Kubitschek  (1956-61),  Jânio Quadros (1961) e João Goulart (1961-64). Os quatro últimos são vistos como políticos populistas.

O populismo tem muitos lados. O populismo de direita abriga perfis ideologicamente conservadores, ligados, nas últimas décadas, às crises sociais, políticas e econômicas. O populismo de esquerda, que se veste do manto progressista, se ancora, como antes foi dito, na defesa dos trabalhadores contra as elites. Emerge daí uma grande corrente clientelista, atendida com programas para amaciar seu coração e “proteger seu bolso”.  

O fato é que, na paisagem contemporânea, nasce uma nova floresta populista, irrigada por grandes corporações e suas extensões nas mídias. Funcionam como fonte de fakes e leituras enviesadas sobre fatos sociais e eventos políticos. Estamos vivenciando a “ditadura de uma nova ordem social”, cujos pilares se assentam na imposição de modelos e visões sobre o cotidiano. Tudo parametrizado por algoritmos. Falta clareza, corporações não prestam contas do seu modo de agir e comunidades são induzidas a consumir o que a elas se apresentam.

Floresce nessa paisagem uma nova cultura, regada à polarização que acirra o ânimo de grupos e impulsionada, sobretudo, em momentos eleitorais. Batalhas e conflitos diversos ocorrem nas ruas e nas arenas das Nações, algumas nas proximidades das sedes dos Poderes Constitucionais, onde as armas, a par de discursos exaltados, chegam a usar o ímpeto destrutivo da bala. O planeta se engalfinha numa guerra pelo poder. Sob o apoio, explícito ou camuflado, de novos ditadores.

*Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político.

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