Opinião
A transformação do setor de saúde incentivada pelas healthtechs
Sandra Franco é consultora jurídica especializada em Direito Médico e da Saúde
Sandra Franco é consultora jurídica especializada em Direito Médico e da Saúde

Desde sempre e até bem pouco tempo, falava-se que o mercado de saúde, em razão de suas características regulatórias e da alta judicialização, atraia poucos empreendedores e investidores. No entanto, a frase atribuída a John Kennedy se fez materializada no setor: “quando escrita em chinês a palavra crise compõe-se de dois caracteres: um representa perigo e o outro representa oportunidade”. A crise mundial provocada pela pandemia também representou uma oportunidade para o empreendedorismo representado pelas healthtechs, que cresceram em número e em ideias inovadoras.

Dados apontam que as healthtechs passaram de 542 em 2020 para 945 até setembro do ano passado. Ressalte-se que foi promulgado recentemente o Marco Regulatório das Startups e do Empreendedorismo Inovador (Lei Complementar nº 182/2021), que representou, sem dúvida, um avanço para maior segurança jurídica tanto para empreendedores como para investidores.

A lei possibilitou também uma possibilidade ampliada de interação entre as startups e órgãos públicos. A ideia é incentivar a contratação de serviços e produtos dessas empresas por agentes governamentais.

O texto também propõe que os governos possam contratar soluções experimentais de startups em caráter de teste, em um modelo de licitação especial com vigência limitada a 12 meses, prorrogável por mais um período de até 12 meses.

Caso essas soluções de inovação funcionem, poderão ser adquiridas posteriormente pelo poder público.

Fato é que não só healthtechs, mas grandes empresas do setor trouxeram novidades realizando fusões e comprando organizações menores de forma estratégica. Desde de o início de 2021 até o momento são 150 transações que incluem hospitais, planos de saúde, laboratórios e clínicas e que movimentaram cerca de R$ 20 bilhões, segundo reportagem publicada no jornal O Estado de S. Paulo.

Esse segmento vem liderando o ranking de fusões e aquisições e também reúne as maiores operações empresariais no Brasil. As maiores transações do período foram a fusão entre as operadoras de planos de saúde Hapvida e a NotreDame Intermédica, que, por meio de troca de ações, criou-se uma empresa de mais de R$ 80 bilhões. Chamou atenção também a compra da seguradora Sul América pela operadora de hospitais Rede D’or em um acordo de mais de R$ 10 bilhões.

Esse aquecimento do setor faz surgir grupos gigantes e uma maior concentração do mercado. As empresas estão se tornando mais verticalizadas, com pacientes sendo atendidos por planos de saúde que tenham sua rede de hospitais, laboratórios e clínicas próprias.  Importante frisar que nesse setor de planos de saúde as grandes fusões já estão mudando o mercado e estão incomodando as demais empresas que ainda não estão com negócios avançados. Isso porque essas transações estão deixando as empresas com um caixa mais robusto e com um respiro maior para avançar em planejamento estratégico.

Ninguém discorda de que houve um fantástico pelo avanço da Telemedicina desde março de 2020, a partir do decreto de estado de emergência em saúde pública de importância mundial. A prática, uma realidade espalhada em todo país, apresenta mais de 7,5 milhões de pessoas que deixaram de ir aos hospitais e clínicas e se consultaram a distância, entre 2020 e 2021 segundo dados levantados pela Associação Brasileira de Empresas de Telemedicina e Saúde Digital. Inconteste que a Telemedicina crescerá muito mais, basta que se veja, no mundo, o potencial de alcance dessa metodologia, inclusive para se ampliar o acesso à saúde, o que ocorre também na esfera pública.

O avanço tecnológico na saúde permite um atendimento mais ágil e eficaz, com menor custo e sem desperdícios, além de um paciente que tem o médico a seu alcance, logo que precisa. Nem se discute aqui que os atendimentos presenciais irão continuar. Claro que muitos pacientes não poderão ser examinados a distância, muitos precisarão de procedimentos cirúrgicos e continuarão a ser internados para tratamentos.

No entanto, com implemento da inteligência artificial e da possibilidade de se firmar diagnósticos mais rapidamente, por certo que muitas cirurgias poderão sim ser evitados realizando-se tratamentos precoces, até porque é espantoso o crescimento da medicina genética e genômica.

No país são 22 mil laboratórios, 6.642 mil hospitais e 737 operadoras de planos de saúde, além de redes de clínicas fortes que reúnem especialistas que poderão, a distância atender ao paciente onde quer que eles estejam. O Brasil em pródigo em apresentar números excelentes de projetos financiados pelo PROADI-SUS com a diminuição de meses em filas de espera para atendimentos com especialistas. Em 2021, o Hospital Moinhos de Ventos publicou estudo que provou ser possível reduzir mortalidade nas UTIs pediátricas através da Telemedicina, por exemplo.

Projetos que visem à medicina preditiva, de forma a buscar cuidar da saúde do paciente e não da doença, poderão diminuir a sinistralidade em especial para as operadoras de planos de saúde e consequente redução de custos. O uso da inteligência artificial, especialmente do machine learning, é a tendência do setor que chega pelas healthtechs e com isso a necessidade de que os dados sejam estruturados para esse fim, com segurança e protegidos. Um grande desafio, sem dúvida.

A pergunta que agora fica é: quais os efeitos dessa mudança de mercado para o paciente? Em tese, maior competitividade gera mais eficiência na prestação de serviços. O setor tradicional de saúde percebeu que a população está mais exigente e as entregas precisam ter mais valor. Junta-se ao fato de que a população no país que está envelhecendo e que precisará de mais cuidados, assim aplicativos e soluções tecnológicas (que melhorem a qualidade de vida da população) estão sendo incorporados pelas organizações tradicionais.

Ou seja, fato é que o setor ainda pode se movimentar muito, ainda existem muitas empresas familiares representativas no setor. O mercado é carente de serviços médicos em algumas regiões do país, ainda que as capitais estejam bem abastecidas de serviços e profissionais. Caberá ao setor regulatório estar atento aos direitos do paciente, enquanto consumidor e como cidadão. Muitos movimentos estão ainda por acontecer nesse jogo.

*Sandra Franco é consultora jurídica especializada em Direito Médico e da Saúde, doutoranda em Saúde Pública, MBA/FGV em Gestão de Serviços em Saúde, Diretora Jurídica da ABCIS, Consultora Jurídica da ABORLCCF, especialista em Telemedicina e Proteção de Dados, fundadora e ex-presidente da Comissão de Direito Médico e da Saúde da OAB de São José dos Campos (SP) entre 2013 e 2018.

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