Opinião
Os Oportunistas
Imagem da notícia

Crise, no ideograma japonês, tem o mesmo significado de oportunidade. Donde se extrai a ideia de que as crises deveriam abrir novos caminhos, oferecer soluções criativas aos problemas. Esta tem sido a lição de empreendedores, perfis de visão sobre os afazeres do cotidiano, principalmente no que se refere ao mundo dos negócios. Entre nós, é bastante propalado o ditado “fazer do limão uma limonada”, transformar o que é negativo em positivo, sair da tempestade para a bonança.

Para muitos povos, o preceito funciona bem, graças a uma cultura forjada em experiências sofridas, tempos amargos, carências monumentais, para as quais se criaram respostas e alternativas, muitas exigindo sacrifícios e mudança em estilos de vida. Conta-se, por exemplo, que o japonês, de tanto padecer as agruras de guerras, não costuma deixar sobras no prato. Um último grão de arroz na bacia é agarrado com vontade e gosto pelos dois pauzinhos manejados com mestria. Os anglo-saxões também aprendem a não desperdiçar tempo. E a responder sim ou não, em atendimento a uma equação que não permite dar uma resposta sem responder.

Já o talvez, mais ou menos, quem sabe, se encaixam bem em nossa cultura, onde a exatidão não passa pelo teste, a concisão costuma seguir veredas sinuosas, de curvas e buracos. Em Petrolina, até hoje, não se encontrou uma gota de petróleo e a venerada Bahia de Todos os Santos, sob o olhar complacente de Jorge Amado, tem mais jeito de baia de todos os pecados. O senhor é católico”? “Sim, mas não vou à missa aos domingos”. “Quantas horas o senhor trabalha por semana?”. “Mais ou menos umas 40 horas”.

A flexibilidade é um traço do nosso caráter, aliás, um valor positivo, mas usado para “amaciar” situações. Do trabalho duro muitos fogem. É comum se ouvir: “hoje, trabalhei demais; estou arrebentado”. Nosso DNA é cultivado na festa, no divertimento. O gordo Ascenso Ferreira, poeta pernambucano, parodiava: “Hora de comer – comer. Hora de dormir- dormir. Hora de vadiar – vadiar. Hora de trabalhar? Pernas pro ar que ninguém é de ferro”. O chiste corre solto. Vejam o discurso do brigadeiro Eduardo Gomes, no largo da Carioca, em seu primeiro comício da campanha presidencial de 1946. “Brasileiros, precisamos trabalhar”. Do meio do povão, uma voz gritou: “Ih, começou a perseguição”. Bagunça geral no comício.

O fato é que a flexibilidade e a expressão jocosa impregnam a índole brasileira, conforme nos ensina um analista de nossa alma, Roberto DaMatta. Não por acaso, nesse momento de pico da pandemia, com ondas que matam milhares de brasileiros de todas as idades, ainda se criam piadas envolvendo protagonistas diversos, a partir dos governantes. Alguns ganham apelidos e trocadilhos infames e risíveis. Como uma gente que aprecia tanto a galhofa pode tomar atitudes racionais, sérias, adotar comportamentos condizentes com a gravidade desse momento?

Esclareçamos. A comunidade nacional costuma entrar no terreno da expressão desrespeitosa quando se sente ludibriada. Mas essa corrente é alimentada por um grupo que invade as redes sociais para exacerbar o comportamento social. Motivam leitores e ouvintes a privilegiar o impropério. Mais: os protagonistas políticos se aproveitam do clima para cantar hosanas e adornar seu ego, ampliando a visibilidade, emitindo opiniões estapafúrdias, enfim, tentando compor uma identidade que não possuem.

Alguns são capazes de mudar de visão quando convidados a aparecer em programas de rádio e TV, de alta audiência. Participam de debates para aparecer, dar recados ao eleitor, pronunciando-se a favor ou contra, porém sempre com o sentido de fazer marketing. A polarização de ideias não se ampara em bases racionais, mas emotivas, frouxas, com carimbo populista. O representante quer ser popular.

Esse vício joga os políticos no lodaçal do oportunismo. Nesse ponto, voltemos ao início do texto. Não se faz da crise um exercício de busca de oportunidades, mas uma chance para oportunistas marcarem seus nomes na história. Esquecem, porém, que exibem na testa a marca de medíocres, figuras de baixa expressão, mercadores de benefícios e recompensas. A dignidade não os conhece.

Do escritor argentino José Ingenieros, em O Homem Medíocre: "Ser digno significa não pedir o que se merece: nem aceitar o imerecido. Enquanto os servis sobem, por entre as malhas do favoritismo, os austeros ascendem pela escadaria das suas virtudes”.

Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação Twitter@gaudtorquato.

Veja Também

O presidente do Sebrae, Décio Lima, afirma que iniciativa é uma ação do Brasil soberano, que abre novos caminhos...
Um relatório intitulado “PIB da Música”, divulgado com exclusividade pela Associação Nacional da Indústria da Música (ANAFIMA), revela que o setor musical brasileiro movimentou...
Objetivo é ampliar debate com parlamentares, especialistas e consumidores diante de riscos de monopólio e aumento de preços no setor pet...
Segundo a entidade, um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre o percentual estimado de pessoas com deficiência visual...
O levantamento aéreo vai analisar a viabilidade de ocupações e subsidiar estudos para futuros processos de regularização fundiária...
O índice acumula queda de 1,35% no ano e alta de 3,03% nos últimos 12 meses. Em agosto de 2024, o IGP-M subira 0,29% no mês...
A demanda por essa ação específica em Formoso do Araguaia partiu de uma solicitação do prefeito daquele município, Israel Borges...
Ao todo, 1.884.035 contribuintes receberão R$ 2,92 bilhões. A maior parte do valor, informou o Fisco, será para contribuintes sem...
O julgamento terá ampla cobertura jornalística. A Corte recebeu 501 pedidos de credenciamento...
A estrutura do evento já está quase finalizada, segundo a gestão de Palmas: o palco, estandes, tendas e...
O vice-governador esteve presente em três importantes eventos no Tocantins: a festa alusiva ao Dia do Soldado, em Porto Nacional; a final da...
Bancos e instituições financeiras estão impedidos de aceitar novos contratos firmados apenas com a assinatura do representante legal...
Segundo o diretor-presidente da Infra S.A., o Brasil vive um momento de retomada na infraestrutura, com grandes oportunidades...
A taxa de desocupação corresponde ao percentual de pessoas que estão sem trabalho, mas em busca de uma oportunidade. Segundo...
A Vila Sertões estará no Centro de Convenções Arnaud Rodrigues, em Palmas (TO). A abertura da área de box para as equipes será no...
O projeto é coordenado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) e envolve quatro fases de atuação, incluindo esta etapa de serviços itinerantes...
A criação da cobrança seria para custear a malha viária municipal, sobrecarregada pelo aumento do tráfego após colapso da ponte entre...
Desde junho, Ministério Público acompanha e fiscaliza a situação da Ala Ortopédica do Hospital Geral de Palmas...

Mais Lidas

Agenda Cultural

Articulistas

Atividade Parlamentar

campo

Esporte

Meio Jurídico

Patrocinado

Polícia

Sociedade em Foco

Universo Espiritual

Publicidade Institucional