Opinião
Policial Civil e Advocacia absolutamente incompatíveis?
Raucil Aparecido do Espírito Santo é agente de Polícia do Tocantins desde 1998
Raucil Aparecido do Espírito Santo é agente de Polícia do Tocantins desde 1998

Seria possível em alguma hipótese o Policial Civil exercer a Advocacia? Evidentemente a primeira resposta que nos vem à mente é: Jamais, nenhuma possibilidade ou impossível. Entretanto, no mundo do Direito afirmar que determinada questão é absoluta, irrevogável ou impraticável é de alto risco àqueles que a seguem. Penso que no universo jurídico a única afirmação absoluta é que tudo é relativo. 

No ordenamento jurídico brasileiro as teses sobre a possibilidade de determinados cargos serem incompatíveis com a advocacia, já estão pacificadas nos mais diversos ambientes de debates, seja de ordem judicial ou acadêmico. A incompatibilidade surge em razão do local onde não é possível pleitear-se inexistência da incompatibilidade para exercício da advocacia em território diverso daquele onde se exerce a atividade que gera a proibição total de advogar. A incompatibilidade irá aonde quer que vá o indivíduo, sendo antes uma condição pessoal (em razão de determinada atividade que desempenhe), do que territorial (em razão do afastamento temporário), se permanecer ocupando, em situação permanente, cargo incompatível com a advocacia, a incompatibilidade persiste, ainda que eventual e temporariamente não exercendo as respectivas funções; em razão da cessão, a cessão não elide a incompatibilidade, inerente ao cargo de origem para o exercício da advocacia. Enfim, interpretando a lei estritamente e analisando alguns casos concretos, acima citados, compreendemos perfeitamente as incompatibilidades com a advocacia advindas da ocupação de cargo ou função pública. Todavia, refugiamos ao suspiro de oportunidade que nos favorece, seguindo a proposta aqui de fundamentar o tema em tese, analisemos o seguinte enunciado:

Ementa do Conselho Federal da OAB: Não erige direito adquirido nem faz coisa julgada a decisão sobre incompatibilidade ou impedimento, eis que podem sobrevir modificações de fato ou de direito capazes de alterar as condições para exercício profissional pleno. (…) (Proc. 5.325/99/PCA-SC. Rel. Sérgio Alberto Frazão do Couto (PA), Ementa 034/99/PCA, julgamento: 08.03.99, por unanimidade, DJ 01.04.99, p. 13, S1).

O trecho que nos embala é “.... podem sobrevir modificações de fato ou de direito capazes de alterar as condições para exercício profissional pleno.” Tal pensamento exarado na decisão do digno Conselho revela o comportamento prudente, cautelar e reservado ao tema incompatibilidade sugerindo um caráter relativo.

O debate que propomos é sobre o dispositivo legal 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil) § 1º inciso V do Art. 28. In verbis: Art. 28 A advocacia é incompatível, mesmo em causa própria, com as seguintes atividades:

 V - Ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a atividade policial de qualquer natureza;

§ 1º A incompatibilidade permanece mesmo que o ocupante do cargo ou função deixe de exercê-lo temporariamente.

Compreendemos a incompatibilidade da atividade policial com a advocacia como medida acertada, visto que são notórios a influência, o desequilíbrio e os danos causados ao direito e a sociedade, partindo das propriedades do policial na relação com os fatos, em sendo ele próprio advogado, promoveria inevitavelmente o aliciamento, e consequente adulteração com vias a obter sucesso na efetivação da posterior defesa.

Entretanto, devemos ponderar sobre dois aspectos relevantes para esse caso. Primeiro seja qual for o grau de influência que o policial exercendo a advocacia supostamente poderia exercer sobre os fatos investigados nos inquéritos sob sua supervisão, só ocorreria na esfera penal, o que obviamente não ocorreria em ações de natureza diversa, se considerar a vastidão de áreas que abrangem o direito (civil, ambiental, trabalhista, tributário, constitucional, administrativo e etc), observando também que, o policial não necessariamente, estará ligado a área de investigação, visto que a polícia judiciária se desdobra em diversos ramos, quais sejam, a perícia técnica, a identificação, perícia médico legal, porquanto, que admitir a incompatibilidade sobre o único aspecto (influência sobre o inquérito) é de certa maneira, considerar a premissa menor e desprezar a maior, visto o grandioso universo que compreende o exercício da advocacia. Segundo imaginar que o fato do afastamento definitivo do cargo é condição que garante absoluta e segura ruptura das relações pessoais de afeto e prestígio no âmbito da corporação é um tanto quanto ilusório, é comum nas relações de trabalho a figura do melhor amigo, aquele que já o salvou de situações de crise, do compadre enfim, relacionamentos que não se alterarão face a condição imposta pela incompatibilidade.

Outrossim, não estamos aqui combatendo o instituto da incompatibilidade, na verdade concordamos e a admitimos. Todavia, não compreendemos tal incompatibilidade como absoluta, irrevogável ou irrefutável.

Comungamos que na sua generalidade a incompatibilidade da atividade policial com o exercício da advocacia deve prevalecer, no entanto queremos propor uma única exceção, que passaremos a defender nesse formulado.

Observando o § 1º “A incompatibilidade permanece mesmo que o ocupante do cargo ou função deixe de exercê-lo temporariamente.”, percebe-se que o dispositivo enrijece a normativa legal, lacrando toda e qualquer possibilidade, sem o requinte técnico de uma formulação legal para a devida aplicação aos casos concretos.

Propomos aqui construir um raciocínio sobre uma única possibilidade que nos parece sensata para esse caso, que é a “Licença para Interesse Particular”, para tanto usaremos como premissas:

1 – Natureza da licença;

2 – Direito de emancipação do homem;

3 – Função do Estado de garantir o direito de garantir o desenvolvimento social.

1 – Natureza da licença para interesse particular

Nos perdoe a redundância, mas a referida licença é autoexplicativa, quando tipifica claramente que o servidor policial se afasta de suas atividades para tratar de assunto de seu interesse, próprio, íntimo, reservado, absolutamente afastado e desvencilhado das funções do Estado, assuntos que por sua natureza, não lhe permite compatibilizar com suas atividades policiais.

Observa-se 3 pontos na referida licença que entendemos extremamente relevantes para o caso em tela, primeiro que é sem remuneração, esse fato marca inicialmente o desvinculo das funções do servidor, do qual o Estado reconhece a desobrigação remuneratória com o servidor, justificando seu que elo parcialmente foi desfeito. Segundo pra tratar de assuntos particulares, nesse ato o Estado reconhece que o servidor irá tratar, não mais é de seu interesse, que já não cabe mais sua intervenção e por último que o tempo de licença não é contado para qualquer efeito, esse último sacramenta de vez a falta de vínculo com a atividade policial, pois o Estado não absolve,  o servidor é quem assume a suspensão de todas as garantias e prerrogativas que o cargo oferece, provocando em termos, prejuízo na ascensão na carreira bem como protelando sua condição de aposentadoria futura.

A referida licença, de acordo com o estatuto, é de 3 anos renováveis por igual período, caso seja requerido na sua integralidade, o lapso temporal de afastamento é contínuo, extenso e ao mesmo tempo sugestivo. Contínuo porque não admite fragmentação de períodos, extenso, pois prolonga por tempo considerável e sugestivo pois é suficiente para oportunizar o labor jurídico e projetar os ideais de sucesso ou fracasso no exercício da profissão advocatícia. 

Portanto, assunto particular é particular, é privado, é individual e tal reconhecimento do Estado é cristalino, tanto é que não se exige, para obtenção da referida licença, informar qual assunto particular seria o motivador do pedido.

2 - Direito de emancipação do homem

É da natureza humana, o indivíduo aprimorar-se, desenvolver-se, buscando a cada dia, seja pelo esforço físico, seja pelo conhecimento, o homem naturalmente busca se desvencilhar dos condicionamentos que lhe são impostos pelas forças da natureza, quando o homem teve frio, desenvolveu vestimentas, quando teve fome desenvolveu ferramentas, quando teve medo construiu armas, deveria o homem ter morrido de frio, fome e medo? Não, da mesma forma, mas certamente com a mesma intensidade, as limitações advindas da vida em sociedade, devem ser rompidas no sentido do aperfeiçoamento do indivíduo que por consequência aperfeiçoará a sociedade.

Portanto, emancipar-se, libertar-se, desenvolver-se, não se reduz mera ação pretensiosa do homem, é na verdade a sua essência, é o que preenche seu corpo e sua alma, dando-lhe o sentido da sua existência enquanto ser e enquanto individuo em sociedade.

3 - Função do Estado de garantir o direito de garantir o desenvolvimento social

Diante dos diversos e mais abrangentes conceitos que define o Estado e suas funções, propomos resumir respondendo a um questionamento: Afinal para que serve o Estado? Ora de nada valeria a existência do Estado se não fosse promover o desenvolvimento da sociedade e protegê-la das agressões externas e de uns para com os outros. Para Thomas Hobbes (2008, p.109).

A Constituição brasileira no seu artigo 3º estabelece com clareza tal fundamento, sendo os objetivos fundamentais do Estado brasileiro, dentre eles construir uma sociedade livre e justa, promover o bem de todos e garantir o desenvolvimento nacional. Tais objetivos serão e tão somente serão alcançados pela emancipação de seus indivíduos e para que o indivíduo por sua iniciativa e labor possa se desenvolver o Estado deve ser o promotor do ambiente adequado e não opressor que acorrenta as esperanças.

Defendemos que a instrução é fator preponderante para o desenvolvimento do homem em sociedade, fazendo da educação a maior ferramenta de que dispõe o Estado para o engrandecimento de seus membros, por outro lado do que vale a instrução, a formação acadêmica, o conhecimento senão para reverter a bem da sociedade e do próprio Estado? É a relação simbiótica entre Estado e indivíduo que resultam no fortalecimento de uma nação.

Oportunizar ao policial, licenciado por interesse particular, a enveredar em nova atividade econômica, abririam possibilidades, que a nosso ver, não ocasionariam prejuízo algum, nem de ordem pessoal e nem de ordem social, visto que, no caso do policial licenciado não lograr êxito na atividade advocatícia, poderia então, retornar a suas atividades retomando a condição de incompatível, por outro lado se obter sucesso na nova empreitada, inevitável será o pedido de exoneração, visto a natureza precária da licença para interesse particular.

Assim, a advocacia é certamente incompatível com as diversas funções e cargos públicos, dentre eles a de policial, porém, se sopesarmos, tempo de serviço com ultimo grau da carreira, lotação em órgão diverso da formulação do inquérito, formação acadêmica, função social, função do estado, direito de emancipação do homem, chegar-se-á conclusão que não é direito limitar o indivíduo, impedi-lo de progredir individualmente, que por sua vez, a licença pra interesse particular é opção razoável e proporcional que garante, em tese, a preservação integra do exercício da advocacia.

*Raucil Aparecido do Espírito Santo é agente de Polícia no Estado do Tocantins desde 1998, professor Universitário Formado em Direito pela FIESC, mestre em Direito Constitucional pela UNIFOR.

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