Opinião
A prisão do deputado bolsonarista: sintomas e perspectivas
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Silveira foi preso na noite da última terça-feira, 16 de fevereiro | Reprodução/Twitter
Silveira foi preso na noite da última terça-feira, 16 de fevereiro

Sem o Rei Momo nas ruas, sem bailes, desfiles, eis que um deputado decide promover sua folia, novamente, nas redes sociais, animando o carnaval bolsonarista e extremista. O deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) gravou e divulgou vídeo com ataques ao Supremo Tribunal Federal, aos ministros da Corte e, ainda, fez apologia do AI-5 (Ato Institucional - de 1968, um dos instrumentos mais duros do Regime Militar). No mesmo dia, Silveira, que já é investigado no STF no inquérito das fake news e atos antidemocráticos, teve sua prisão em flagrante e sem direito à fiança decretada pelo ministro Alexandre de Moraes.

Como não poderia deixar de ser, as discussões jurídicas pululam no País, especialmente, no que tange ao Art. 53 da Constituição Federal que indica que "Os deputados e senadores são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos". Outros dois aspectos atinentes ao tema são se: 1) o crime é em flagrante e 2) caracteriza como inafiançável. Há teses jurídicas para todos os gostos: que a Corte pesou a mão, que a prisão é arbitrária e que há elementos legais que podem sustentar a decisão de Moraes. Tratando-se de uma decisão monocrática, a prisão de Silveira foi levada ao plenário do STF. Lá a decisão foi unânime e os 11 ministros mantiveram Silveira preso, portanto, considerando legal a ordem de um de seus ministros. No § 3º, do Art. 53, assevera-se que o deputado preso em flagrante de crime inafiançável deve ter os "autos [...] remetidos, dentro de vinte e quatro horas, à Casa respectiva, para que, pelo voto secreto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão e autorize, ou não, a formação de culpa". Aqui, então, a despeito do elemento jurídico presente no caso em tela, temos a dimensão política e as relações de freios e contrapesos que um Poder (Executivo, Legislativo e Judiciário) deve exercer na relação com os demais poderes.

Silveira, deputado bolsonarista, buscou escudar-se na "liberdade de expressão" e na "inviolabilidade de suas opiniões, palavras e votos" para atacar os alicerces da democracia, dos valores republicanos, da harmonia entre os poderes. Muitos, não sem razão, notaram as contradições de alguém que usa a democracia - a tese da liberdade de expressão - para atacar a própria democracia e, depois de preso, quer continuar a ameaçar juízes e as instituições. Politicamente, o deputado tinha certeza, deixou isso claro no vídeo que fez no momento de sua prisão, que logo estaria solto e peleando contra os ministros do STF, com o povo ao seu lado. O desejo talvez não se concretize, não tão rapidamente, ao que parece. Arthur Lira, Presidente da Câmara, buscou costurar um acordo junto ao STF, aos seus pares deputados e até visitou o Presidente Jair Bolsonaro. Havia entendimentos de que, no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, Silveira, depois de solto, poderia receber uma reprimenda e uma suspensão (ao que parece, da prisão, avisou aos colegas que aceitaria, no máximo, dois meses de suspensão...). Segundo informações, Bolsonaro não se apresenta disposto a, novamente, se desgastar com o STF por Silveira e Lira, por sua vez, gostaria de tocar pautas econômicas, novo auxílio emergencial ou ligadas às reformas e não desviar a atenção para o extremismo do deputado do PSL, que, aliás, divulgou nota indicando pela expulsão de Silveira de seus quadros.

Daniel Silveira - da placa quebrada por ele com o nome de Marielle Franco até sua prisão por atacar o STF - trilha um caminho já conhecido. Outros políticos bolsonaristas e o próprio Bolsonaro escolheram, cuidadosamente, suas palavras e ações e, com isso, ganham audiência e força política. Silveira não é "causa" mas, certamente, um sintoma de algo mais profundo e grave, no Brasil e no mundo. Vivemos tempos de ataques sucessivos à democracia, ao conhecimento, à ciência e isso vem em torpedos de fake news, pós-verdades, negacionismos e toda a sorte de teorias da conspiração.

Temos, infelizmente, um déficit de democratas. Não há democracia e valores substantivos democráticos sem democratas. A política e os políticos são desprezados, xingados; contudo, todos os membros do Executivo e Legislativo foram eleitos, legitimados pelo voto. Muitos deputados bolsonaristas - Silveira, dileto representante - não foram socializados em partidos políticos, com contato com outros atores políticos, tendo que dialogar, debater, vencer ou perder com argumentos. Tampouco, puderem vivenciar espaços de reflexão e ação em movimentos sociais, Ongs, Organizações do Terceiro Setor, movimentos estudantis. Nada. Isso tudo - para os bolsonaristas - é coisa de comunista, repleto de "marxismo cultural". Muitos destes políticos bolsonaristas desprezam os partidos políticos e a política, substituem a força do argumento pelo argumento da força; os adversários são tomados como inimigos, a serem eliminados simbólica ou concretamente. Pularam das redes sociais para o mundo da política, sem educação cívica, democrática e conhecimento do funcionamento dos poderes e de suas temporalidades.

Caberá, em breve, à Câmara dos Deputados avaliar o comportamento de Silveira e traçar perspectivas. Poderão, deputados ou senadores, atacar os valores democráticos e as instituições da República, sob alegação de liberdade de expressão e livre manifestação do pensamento no bojo de seu exercício parlamentar? Deputados, coadunados no sprit de corps, criarão entreveros com o STF? O Poder Legislativo amparou, por muito tempo, as opiniões do deputado Jair Bolsonaro, folclórico, do baixo clero, ao elogiar torturadores, fazendo apologia ao Regime Militar e até sugerir o fuzilamento do, então, presidente Fernando Henrique Cardoso. Se o Parlamento repetir com Silveira e a sociedade aceitar, mais uma vez, tais palavras e ações, teremos, no futuro não muito distante, não o Mito, mas o "Mitão", o Mito hipertrofiado, pura testosterona, na versão 2.0.

Foco no sintoma ou na causa? Eis o fulcro da questão.

*Rodrigo Augusto Prando é professor e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie, graduado em Ciências Sociais, Mestre e Doutor em Sociologia, pela Unesp.

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