Opinião
A era da discórdia
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Dezembro de 2020, ao contrário de outros meses de final do ano, terá seu registro na história como um dos mais conflituosos dos tempos contemporâneos. O impacto da pandemia sobre a vida produtiva deixará profundas marcas, alterando formas tradicionais de trabalho, remodelando sistemas operacionais e abrindo uma nova visão sobre a maneira de olhar o próprio mundo. Os PIBs nacionais despencarão, a partir da China, com projeções que mostram um atraso civilizatório que carecerá de décadas para sua recuperação.

Apesar de todo progresso científico alcançado pela Humanidade, a se constatar no aumento da expectativa de vida dos cidadãos, com os avanços na frente da indústria farmacêutica, na descoberta de novos procedimentos no tratamento das enfermidades e na melhoria da condição alimentar, o planeta vê-se ameaçado pelo aparecimento de vírus (mutantes) e perigosas bactérias que matam milhões de pessoas.

Para se ter uma ideia, em 1900, a expectativa de vida no Brasil era de 33,7 anos, dando um salto significativo em pouco mais de 11 décadas e atingindo hoje 76 anos. No entanto, o país está perto de registrar 200 mil mortos no espaço de menos um ano, vítimas de um vírus ao qual se atribui a capacidade de voltar a atacar indivíduos que dele já haviam se livrado.

Os danos gerados pela pandemia do Corona-19 infelizmente atravessam a fronteira fisiológica para chegar a outros abrigos, como o econômico, o político e o social. Ao sistema econômico, como se registra na queda dos PIBs, o impacto atinge as atividades dos setores básicos da economia – primário, secundário e terciário – empobrecendo países e populações. A par do desmonte ou queda de empreendimentos, o vírus penetra no corpo político, abrindo fissuras, dividindo opiniões, formando a cizânia, impulsionando a discórdia e, em seu bojo, trazendo ódio, guerra de palavras, estimulando o descrédito nas instituições, inclusive, as de caráter científico.

O fato é que o mundo pandêmico inaugura a era do rancor. Estados Unidos da América contra a China, puxando aliados como o Brasil para essa inglória “nova guerra fria”, promovendo discordâncias sobre etapas na escolha de vacinas, expandindo divergências sobre procedimentos a seguir, enfim, infiltrando a politiquice no sagrado recanto da ciência. Por aqui, basta ver as declarações estapafúrdias e mirabolantes de governantes e outros protagonistas, a demonstrar que a vontade de conquistar poder rompe os planos da moral e da ética.

Pensávamos que o mundo já havia completado seus ciclos de deterioração e miséria. A Revolução Industrial, a partir da segunda metade do século XVIII, que teve início na Inglaterra, nos deu a primeira máquina a vapor e permitiu a construção do maquinário voltado para a produção têxtil, consolidando a formação do capitalismo. O mundo começava a distinguir os horizontes de progresso. Mas os ciclos da mortandade estariam por vir.

Cinquenta anos antes do início da I Guerra Mundial, em 1918, quando perderam a vida 17 milhões de soldados e civis, tivemos no sul da China um conflito ainda mais sangrento, a rebelião de Taiping, que durou 14 anos e matou cerca de 30 milhões de pessoas. De 1939 a 1945, a II Guerra Mundial provocou a morte de mais de 70 milhões. A violência jamais foi embora, repartindo-se em conflitos étnicos, em guerras de fronteiras, em lutas religiosas, muitas movidas pelo fundamentalismo apaixonado de comunidades e nações.

As crises subiram aos picos dos sistemas políticos. Monarquias foram resumidas, ditaduras e tiranias ainda resistem em alguns cantos, aristocracias praticamente deixaram de existir, mas as democracias, com suas bandeiras de igualdade e liberdade, se encheram dos lixos da corrupção e da demagogia. E onde está aquele estado de convivência harmoniosa e solidária tão prometido pela democracia? Em apenas pequenos pedaços do planeta, possivelmente as nações do norte da Europa.

O fato é que a democracia não conseguiu expurgar as oligarquias, combater sem tréguas a criminalidade e o fim da corrupção, educar o povo nos moldes exigidos pela cidadania, a par da transparência das ações dos governos.

Essa teia infernal de mazelas funciona como empecilho para enfrentar as crises. Por isso mesmo, a pandemia no nosso país não é administrada com os instrumentos necessários, os cuidados exigidos, os meios éticos que devem separar política e ciência. O pior é constatar que algumas figuras maléficas, na calada da noite, correm para apagar até a luz do fim do túnel.

Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação Twitter@gaudtorquato.

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