Opinião
Um drible aqui, outro acolá
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O Brasil chega ao final do processo eleitoral, com o tira-teima em 57 cidades, sendo 18 capitais e 39 municípios com mais de 200 mil eleitores, desfraldando a bandeira de uma “corrupçãozinha”. Como? Isso mesmo. No momento mais crítico da atualidade, quando a mídia e os órgãos estatais de controle estão varrendo o país com suas lupas, 64 mil beneficiários do auxílio emergencial sacaram do bolso R$ 54,5 milhões para doarem a candidatos no 1º turno. E quem apurou esse desvio foi o próprio Tribunal Superior Eleitoral.

Só mesmo por aqui ocorre uma aberração dessas. Como o nome indica, o “auxílio emergencial” se destina aos mais carentes, desprovidos de renda, um adjutório para que milhões de pessoas consigam o mínimo para sua sobrevivência e, mais ainda, numa quadra de pandemia que assola o território. A não ser que os “doadores carentes” tenham driblado os mapas do governo e, como aves de rapina, voaram direto para cima da caça, no caso, o tal “auxílio emergencial”, que já custou ao governo este ano cerca de R$ 100 bilhões. Em suma, as mamas do Estado continuam a fornecer “leite” aos bezerrões da política.

Não por acaso, parcela ponderável do eleitorado vira as costas para a política, em um gesto que sinaliza desprezo, descrédito, indignação. A abstenção, voto nulo e voto em branco são formas de protesto, que se somam ao natural receio de enfrentar as urnas nesse instante pandêmico. Enquanto os horizontes da política não se tornarem claros, iremos empurrando as eleições com o rolo compressor do senso comum, que clama por reformas, mudanças, avanços.

Tais demandas provêm, sobretudo, das camadas mais esclarecidas, integrantes do painel da racionalidade, habitantes das grandes e médias cidades, cujo núcleo central é composto por profissionais liberais. Esses segmentos são os mais sensíveis ao fenômeno da “fadiga de material”, conceituado como saturação de perfis antigos, feudos familiares, domínios eleitorais, passagem do bastão entre figuras tradicionais. Há entre eles, vale reconhecer, pessoas de ótima índole e exemplar performance política. Mas a permanência por décadas na trajetória propicia a sensação de “material gasto”, pneu careca que não aguenta mais o tranco.

É impossível trocar pneus com o carro rodando. Quer dizer, não é fácil mudar a feição da política ou trocar o figurino dos protagonistas com as regras atuais do jogo. Por exemplo, o voto se torna cada vez mais distritalizado, a denotar interesse do eleitor em escolher alguém que lhe seja próximo ou perto de suas demandas locais/regionais. A proximidade entre político e eleitor integra a organicidade social, a tendência que se constata na formação de grupos, setores, áreas, movimentos. A sociedade, decepcionada com as promessas não cumpridas pela democracia – acesso à educação, segurança, saúde, transparência dos governos, combate ao poder invisível- procura refúgio em novos polos de poder.

Portanto, temos de ver esse poder centrípeto – que se forma de lá para cá, das margens para o centro – abrindo espaços para protagonistas respirarem novos ares. A distritalização é um fenômeno mundial, a partir dos Estados Unidos, com seus votos de condados e distritos.

Com o fim das coligações proporcionais, já registramos forte enxugamento dos partidos na rede municipal. É bem menor o número de siglas, o que virá reforçar a meta de sobrevivência de grandes e médios partidos e a extinção de nanicos, muitos servindo de bengala a outros. Partido é parte, pedaço, parcela. E não temos mais que cinco a sete divisões de pensamento no Brasil, algo como extrema direita, direita, centro direita, centro, centro esquerda, esquerda e extrema esquerda.

2021, anterior ao pleito mais importante de nossa contemporaneidade, será bastante propício para avanços na reforma política, sob a suposição que, antes dela, sejam aprovados aspectos essenciais das reformas tributária e administrativa. A pressão social será intensa nos próximos tempos, exatamente pelos fatores antes mencionados, como a decepção com a política, a fadiga de material, a organicidade social e os novos polos de poder. Estamos cansados de ver Sisifu subindo a montanha com uma pedra sobre o ombro e vê-la resvalar ao sopé. O cara jamais conseguirá colocá-la no topo. Condenação dos deuses.

No nosso caso, temos esperança de que, um pouco adiante, consigamos fazer o necessário para elevar a grandeza do país. Até porque Deus é um pouquinho brasileiro.

Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação Twitter@gaudtorquato.

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