Opinião
O voto do novo corona
Gaudêncio Torquato é jornalista e professor titular da USP
Gaudêncio Torquato é jornalista e professor titular da USP

Definidas as datas do primeiro e segundo turnos das eleições – 15 e 29 de novembro – a maior interrogação sobre o pleito se espraia pelo território: afinal, para onde irá o voto influenciado pelo novo “coronel”, desculpem, o novo corona da política? Há uma teia de circunstâncias a sinalizar a direção dos ventos pandêmicos, em novembro, a partir da hipótese central de que o danado do vírus já estaria dominado pelos avanços medicinais e pela própria imunidade da população. Por isso, qualquer apontamento sobre tendências haverá de considerar o que este analista batiza de Produto Nacional Bruto da Felicidade. Abaixo de 5, a desgraceira será geral, com alto índice de renovação nos perfis dos alcaides. Acima de 5, teremos uma mescla de gente nova, prefeitos reeleitos e até velhos nomes de volta ao palco.

Façamos algumas projeções. Uma delas é que as mulheres ganharam evidência na conjuntura de crise, mais falantes e valentes na crítica aos precários serviços públicos. Apareceram com maior visibilidade. A par dessa questão pontual, há de se avocar a condição feminina nas atividades do cotidiano, que adquirem realce nas crises, quando a mulher se apresenta falando na educação dos filhos, no trabalho que se torna mais difícil, na azáfama que ela tenta organizar para diminuir as intempéries enfrentadas pela família. A mulher como organizadora, tomadora de conta do lar, atenta à penca de filhos. Daí emerge a inferência: serão reconhecidas como tal, merecendo o voto de fortes parcelas eleitorais.

Um fenômeno que se expande no país, ao sabor dos movimentos que se multiplicam no contexto das Nações, é o da organicidade social. Observo esta tendência, já consolidada na Europa e nos EUA e atravessando novas fronteiras nos países orientais – vejam Hong-Kong – , e que se desenvolve no Brasil de maneira mais consistente desde a Constituição de 1988. A chamada Constituição Cidadã abriu um imenso leque de direitos individuais e sociais que, nos últimos anos, se tornaram movimentos organizados, com personalidade jurídica, capazes de fazer mobilizações de rua.

A força dessa movimentação se avoluma na esteira do descrédito com que a sociedade passa a enxergar a classe política. Representantes no Parlamento e governantes no Executivo deixam de cumprir tarefas, aparecem nas bases apenas nos ciclos eleitorais, operando no balcão da velha política. Desacreditados, esses obsoletos cultores do passado ganharão passaporte para ficar em casa. Ora, a descrença generalizada na política abriu imenso vácuo entre a sociedade e o universo político. E quem ocupou este vácuo? Exatamente as entidades organizadas. Que fundaram novos polos de poder. Tornaram-se referência para grupos, núcleos, setores. A intermediação social entrou forte nas frentes de pressão. Os corredores do Congresso tornaram-se passarela para o desfile de associações, sindicatos, federações, núcleos, grupos, movimentos de todos os tipos. Pois bem, o voto em novembro terá essa forte alavanca organizativa.

Outro vetor de peso eleitoral é o das frentes parlamentares, formadas por bancadas de defesa de círculos de negócios. A rigor, fazem parte do circuito anterior aqui descrito, mas por sua importância na composição parlamentar merecem um destaque. Agrupam as bancadas religiosa, do agronegócio, dos servidores públicos, dos militares, do setor de serviços, dos profissionais liberais etc. Essas bancadas tendem a se consolidar na moldura organizativa do país, seguindo uma tendência mundial, muito característica dos EUA, onde o voto vai geralmente para o representante dos interesses locais e das regiões. Nesse sentido, podemos deduzir que o voto distrital tende a se fortalecer na paisagem social, onde as classes sociais se subdividem em núcleos específicos. Os deputados querem aumentar suas bases.

A par dessas projeções, podemos divisar uma composição ditada pelo modo como categorias enxergam a política. Os profissionais liberais, por exemplo, tendem a depositar na urna um voto mais racional que emocional. O voto no Brasil está deixando o coração para subir à cabeça. Significa que estamos subindo degraus na escada da racionalidade. Esse tipo de voto se concentra nas grandes e médias cidades, mais abertas aos meios de comunicação e às críticas aos governantes. No contraponto, enxergamos traços do passado em rincões que pararam no tempo, o habitat de raposas da velha política, com seus nacos garantidos em administrações falidas.

Em suma, o novo coronel (desculpem, o novo corona) estará na fila das seções eleitorais.

Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação Twitter@gaudtorquato

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