Opinião
A violência no deserto
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Os dados são irrefutáveis. Somos um dos países mais violentos do mundo. Até mais que o Haiti. O Brasil ocupa a 103ª posição no ranking Global da Paz. Nossa taxa de homicídio é 30 vezes maior que a da Europa. Mais de meio milhão de pessoas foram assassinadas na última década. São cerca de 52 mil assassinatos por ano, quase 25 mortes em cada 100 mil, a 12ª maior taxa de homicídios do mundo.

Imaginar que teremos mais segurança com uma população armada é ignorar a realidade brasileira. Ter armas em casa, sob o argumento de que a família se sentirá mais protegida, é um grande engano. Em dez anos, houve um aumento de aproximadamente 30% no número de homicídios de mulheres por arma de fogo em ambiente doméstico. Nosso povo não é treinado para usar arma de fogo e não temos uma índole tão pacífica como se costuma apregoar. É falso. Pipoco de um lado e outro resultará em mortandade.

Os sinais não são animadores. Educação voltada para a segurança não faz parte de nossa cultura.  Apelar para o revide, como sugerem os defensores da liberação do porte e da posse de armas, é marcar encontro com a violência. Vejam o que o ex-presidente Barack Obama disse, semana passada, em São Paulo, sobre o uso de armas nos Estados Unidos: “ as leis sobre armas nos Estados Unidos não fazem muito sentido”. Os atentados nas escolas se sucedem com o assassinato de muitos estudantes.

A maneira de ser do nosso presidente da República, com sua formação militar (que se mostra até na estética belicista), incentiva a agressividade.  Muita gente se inclina a ter uma reação contra o ataque de agressores. Bolsonaro exibe um jeito belicoso como estivesse na arena de guerra, combatendo inimigos, gritando palavras de ordem a exércitos de simpatizantes. Seu perfil de guerreiro desperta junto a segmentos radicais os mecanismos da projeção e da identificação, tão estudados pela psicologia. Ou seja, muitos querem imitá-lo. O fato é que exerce forte influência sobre o pensamento e o comportamento social, abrindo a pauta do debate público, como acaba de mostrar pesquisa recente do Projeto de Opinião Pública da América Latina, feito em colaboração com a Fundação Getúlio Vargas.

Em outras palavras, o presidente é um agente de polarização, de enfrentamento, de conflito. Não se espere dele um estilo Gandhi inspirado no pacifismo. Ao contrário, sua figura tende a expandir a tensão entre alas, apoiadores e adversários. Para complicar, os brasileiros, segundo a pesquisa Barômetros das Américas, já não estão muito satisfeitos com sua democracia. Cerca de 35% se dizem favoráveis a um golpe militar ante a expansão da corrupção; 38% (pasmem)  concordam com o fechamento do Supremo Tribunal Federal, enquanto 22% acham justificável fechar o Congresso Nacional. São índices assombrosos.

A insegurança se dissemina no bojo social. A violência se espraia, a ponto de já se ouvir com naturalidade a assertiva: “bandido bom é bandido morto”.  Sob essa abordagem, o que estamos prenunciando é o aumento de covas nos cemitérios, na esteira do abrandamento dos códigos de trânsito, na duplicação de pontos (de 20 para 40) para perda da CNH, na extinção de multas no caso das cadeirinhas para crianças nos automóveis, no fim dos radares e lombadas nas estradas etc.

Uma legislação permissiva, ao lado da criação de arsenais caseiros, aumentará o índice de acidentes/ incidentes. Não é possível se projetar um cenário de harmonia social ante a escalada individual no campo do porte e da posse de armas ou ante meios de transporte disparados nas estradas.

É triste constatar que parcela ponderável da sociedade aplaude com entusiasmo a barbárie, esquecendo que ela nos trará menos segurança.  O dado revela o espírito de parcela da população. 43% afirmam a convicção: “se eu pudesse teria uma arma de fogo para proteção”.

Na desolação da paisagem, não há oásis à vista. Só um gigantesco deserto de areia e borrasca. O oásis só aparecerá quando o país abrigar um povo bem educado. Mas os ventos que batem nos vãos da Educação, pelo menos por hora, não refrescam o ambiente. É triste ver um ministro da Educação que mais se comporta como um “fechador” de salas de aula e não como um educador abrindo braços aos novos tempos. O panorama é desolador.

*Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação Twitter@gaudtorquato

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