Opinião
Governar com o parlamento
Imagem da notícia

O objetivo da política, dentro do preceito aristotélico, é a busca incessante do bem comum. E para alcançar esse ideal, nos termos que ensina Maquiavel, a política carece que seus participantes lutem para conquistar o poder. Só assim terão condições de suprir as demandas e expectativas sociais. Sob essa lição, os representantes políticos agem no sentido de prover meios, instrumentos e condições necessárias para realizar promessas feitas junto às bases que os elegeram, por sufrágio universal, para compor a moldura representativa.

O orçamento impositivo, objeto da PEC aprovada terça-feira por votação maciça na Câmara, é um dos desses instrumentos. Difere do orçamento autorizativo, porquanto este permite ao Executivo dispor livremente sobre o grau de execução das despesas constantes do orçamento, consistindo no contingenciamento das dotações ou retenção de recursos do caixa do Tesouro. (Não há interpretação conclusiva sobre o texto aprovado; uma emenda teria mudado a “execução obrigatória das disposições orçamentárias”).

O argumento é o de que o Executivo reavalia periodicamente as contas públicas, podendo reprogramar os gastos dentro do calendário. Já o orçamento impositivo proíbe ao governo tal possibilidade, impedindo contingenciamento de verbas, cortes e reprogramação orçamentária. Dessa forma, teremos um orçamento mais transparente e condizente com maior participação da sociedade no processo decisório.

Em suma, o que está dentro do orçamento impositivo será executado. Inclusive os recursos destinados por parlamentares para programas e obras em suas bases eleitorais.

A aprovação do orçamento impositivo se faz necessária sob a perspectiva de conferir ao Poder Legislativo as condições para que possa agir como ente governativo. Nesse ponto, convém lembrar que governar não é um exercício que compete apenas ao Poder Executivo. Os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário integram o sistema governativo.

Por conseguinte, cabe ao Legislativo participar da estrutura governamental. Se um partido ganha a eleição tem legitimidade para indicar quadros para a administração. Esse é um ponto pouco esclarecido e gerador de conflitos e dissonâncias.

Executivo e Legislativo vivenciam um estado de tensão, provocado pela disposição do presidente em não aceitar o que chama de “jogo de recompensas”, o toma lá dá cá, prática consolidada do nosso presidencialismo de coalizão. Erra Bolsonaro quando atribui essa situação à velha política. A “nova política” que ele defende com expressão dura não é nova e não se inspira pelo ideal aristotélico do bem comum.

O então deputado Bolsonaro passou 27 anos na Câmara Federal, integrava o chamado “baixo clero” e mistifica quando se apresenta como ícone da renovação política. Não se muda uma cultura por decreto ou vontade unilateral do presidente. O jogo de poder no Brasil, jogado desde os tempos coloniais, abarca o costume de inserção de quadros de partidos políticos na malha administrativa.

O que tem ocorrido, isso sim, é o abuso nessa prática, com infiltração de desqualificados nas administrações – federal, estadual e municipal. Muitos deles foram ou agem como fontes de corrupção. Que a sociedade, tão submetida a escândalos nos últimos anos, queira filtrar o processo – é um anseio compreensível. Mas nenhum governo tem condições de governar sem o apoio do Parlamento. Isso precisa ficar claro. Collor fechou as comportas de diálogo com o Congresso. Deu no que deu. Dilma desprezava políticos. Deu no que deu.

Por isso mesmo, Sua Excelência, o presidente Jair, precisa se convencer que não fará uma administração eficiente sem o engajamento da representação parlamentar. Como um veterano como ele pode pensar diferente? Não se trata de cooptar deputados e senadores com “mesadas”, como se viu na época do mensalão. Trata-se de dar vazão ao sistema governativo, do qual faz parte o Legislativo. São os membros da representação parlamentar que dão apoio e sustentação aos governos.

A oxigenação da vida pública se faz a conta gotas. E leva em consideração a indicação de nomes respeitados, técnicos ou mesmo políticos capacitados a exercer com alta competência sua missão.

O que importa é fechar os buracos que propiciam corrupção. Como é sabido, a dilapidação da coisa pública é um fenômeno inerente a todos os regimes políticos, mas nas culturas políticas subdesenvolvidas ganha maior espaço.

Sem essa compreensão, a crise política ameaça inviabilizar a administração. Que, ainda na decolagem, dá a impressão de que, sob intenso nevoeiro, impede ver os horizontes.

*Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação Twitter@gaudtorquato

Veja Também

Os estandes que comercializam os pratos classificados para o FGT abrem às 18 horas, com oferta de receitas variadas e acessíveis a todo o...
O presidente do Sebrae, Décio Lima, afirma que iniciativa é uma ação do Brasil soberano, que abre novos caminhos...
Um relatório intitulado “PIB da Música”, divulgado com exclusividade pela Associação Nacional da Indústria da Música (ANAFIMA), revela que o setor musical brasileiro movimentou...
Objetivo é ampliar debate com parlamentares, especialistas e consumidores diante de riscos de monopólio e aumento de preços no setor pet...
Segundo a entidade, um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre o percentual estimado de pessoas com deficiência visual...
O levantamento aéreo vai analisar a viabilidade de ocupações e subsidiar estudos para futuros processos de regularização fundiária...
O índice acumula queda de 1,35% no ano e alta de 3,03% nos últimos 12 meses. Em agosto de 2024, o IGP-M subira 0,29% no mês...
A demanda por essa ação específica em Formoso do Araguaia partiu de uma solicitação do prefeito daquele município, Israel Borges...
Ao todo, 1.884.035 contribuintes receberão R$ 2,92 bilhões. A maior parte do valor, informou o Fisco, será para contribuintes sem...
O julgamento terá ampla cobertura jornalística. A Corte recebeu 501 pedidos de credenciamento...
A estrutura do evento já está quase finalizada, segundo a gestão de Palmas: o palco, estandes, tendas e...
O vice-governador esteve presente em três importantes eventos no Tocantins: a festa alusiva ao Dia do Soldado, em Porto Nacional; a final da...
Bancos e instituições financeiras estão impedidos de aceitar novos contratos firmados apenas com a assinatura do representante legal...
Segundo o diretor-presidente da Infra S.A., o Brasil vive um momento de retomada na infraestrutura, com grandes oportunidades...
A taxa de desocupação corresponde ao percentual de pessoas que estão sem trabalho, mas em busca de uma oportunidade. Segundo...
A Vila Sertões estará no Centro de Convenções Arnaud Rodrigues, em Palmas (TO). A abertura da área de box para as equipes será no...
O projeto é coordenado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) e envolve quatro fases de atuação, incluindo esta etapa de serviços itinerantes...
A criação da cobrança seria para custear a malha viária municipal, sobrecarregada pelo aumento do tráfego após colapso da ponte entre...

Mais Lidas

Agenda Cultural

Articulistas

Atividade Parlamentar

campo

Esporte

Meio Jurídico

Patrocinado

Polícia

Sociedade em Foco

Universo Espiritual

Publicidade Institucional