Opinião
Militares de volta à cena política
Gaudêncio Torquato é jornalista e professor titular da USP
Gaudêncio Torquato é jornalista e professor titular da USP

A acomodação das placas tectônicas após o terremoto eleitoral permite distinguir traços fortes na paisagem institucional. Um dos mais visíveis é o fechamento do ciclo da redemocratização que teve início em meados dos anos 80. A era Sarney, aberta com a morte de Tancredo Neves, escancarou a locução política, destravando os nós apertados na garganta nacional. O ancoradouro das demandas reprimidas nos tempos de chumbo foi a Constituição de 88, que completou 30 anos em 5 de outubro passado. Que sinais mostram o fim de um ciclo?

A eleição de um militar reformado é o sinal dos novos ventos que soprarão na paisagem. Ela puxa para o cotidiano da política o maior grupo de militares que já participou de pleitos democráticos, a par da convocação inusitada de generais da reserva para formar o núcleo governamental. Um feito e tanto, quando se leva em consideração a índole militar: agir com discrição, cumprir o rito hierárquico, colaborar com governos em postos-chave de comando das Forças Armadas, enfim, evitar a intromissão exacerbada no dia a dia da política. Assim é a cultura militar. 

As curvas a que o País foi levado a fazer, que ensejaram o conjunto de crises ainda em curso – econômica, política, ética -, acabaram despertando o animus animandi da caserna, inserindo a expressão militar na enciclopédia do discurso político. E mais: motivando quadros de respeito nas Forças a adentrar as portas do Executivo, como é o caso dos generais Mourão (o vice eleito) e Heleno, ambos com histórico de comandos importantes.  Portanto, os militares ascendem na política cotidiana não por intromissão indevida, mas em função do redesenho institucional, onde se contabilizam o desprestígio da classe política, a indignação social contra o modus operandi dos nossos representantes, a intensa vontade popular de dar um passo adiante.        

Sob essa moldura, o capitão Bolsonaro representa esse passo. Parcela ponderável do eleitorado, a partir de segmentos da intelectualidade e contingentes de esquerda, o consideram um passo para trás. Ocorre que seus quase 58 milhões de eleitores o credenciam como a expressão da vontade da maioria. O discurso do presidente eleito, incluindo tiradas de mau gosto, feitas ao correr da trajetória parlamentar, se não recebe endosso popular, pelo menos não constitui motivo para sua rejeição.

Outros sinais de fim de ciclo aparecem na própria engenharia da campanha, em que paradigmas do chamado marketing político foram derrubados, como tempo de rádio e TV(duração maior não ajudando candidatos), dinheiro (não elegendo aqueles com maiores recursos), escolha de representantes na cola do candidato presidencial (PSL fazendo uma bancada de 56 nomes), entre outros aspectos. O fato é que o pleito exibiu um parâmetro novo: a autogestão eleitoral. O eleitor votou como quis, sem influência de amigos, familiares ou partidos, e até realizou operações transversais, marcando no mesmo voto quadros de esquerda e da direita.

Essa nova disposição do eleitor, caso mostre desejo de direcionar o País para uma curva à direita, significa ainda desaprovação aos governos do PT, ou seja, um veto à vereda de esquerda que o lulopetismo abriu. Nesse sentido, pode-se dizer que o jogo entre os espaços ideológicos está empatado, eis que o período da redemocratização abriga uma vitória de Collor e duas de FHC e, agora, a de Bolsonaro; e quatro vitórias, com duas de Lula e duas de Dilma.

Parcela ponderável dos eleitores de Bolsonaro, convém lembrar, frequenta espaços do meio, principalmente contingentes de classes médias, profissionais liberais, setores da produção etc. Se o capitão exprime posicionamentos de extrema direita, como é o caso, não significa que tem apoio de parcela de quem nele votou. Jogar todos na extremidade do arco ideológico é um erro. O mesmo se pode dizer de parcelas do eleitorado de FHC e mesmo de Lula e Dilma.  

Por fim, vale ressaltar que a democracia brasileira passou em mais um teste. Se a opção de 2018 se mostrar errada, o eleitor, autônomo, independente, poderá consertá-la em 2022. Urge não adiantar previsões.

*Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação Twitter@gaudtorquato

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