Opinião
A desigualdade ameaçadora - final
Mário Lúcio de Avelar é procurador federal da República
Mário Lúcio de Avelar é procurador federal da República

De fato, por aqui há sempre a tendência de empurrar os malefícios dos ajustes econômicos para os mais pobres. Quem duvida disso deveria observar de perto o ajuste fiscal promovido pelo governo do presidente Michel Temer.

Especialistas dizem que ele tem o poder de elevar ainda mais a desigualdade no Brasil. Sem dúvida, o congelamento das despesas públicas por 20 anos tende a impactar mais negativamente os mais pobres que já ressentem a falta de verbas para a saúde, educação e assistência social. 

A questão, porém, não para aí. O Brasil tem, sobretudo, um sistema tributário regressivo, que tributa os mais pobres. Na prática, isto significa que quanto maior a renda menor são os impostos que se recolhe.

De fato, há isenções para rendas de capital, como os dividendos pagos pelas empresas a seus acionistas. Por outro lado, impostos sobre rendas mais altas e heranças têm alíquotas muito baixas no Brasil, se comparadas com os países mais avançados. 

De acordo com economista Rodrigo Orair, um dos organizadores do livro "Tributação e Desigualdade" (ed. Letramento), "o Brasil está na contramão da tendência mundial, que é diminuir a carga tributária sobre pessoas jurídicas e aumentar seu peso sobre pessoas físicas de maneira que os mais ricos paguem mais impostos.

Por aqui, tributa-se menos renda e propriedade e mais bens e serviços.

Para José Roberto Afonso, professor do Instituto de Direito Público e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia na FGV-Rio, isso "acaba penalizando aqueles que proporcionalmente mais consomem, ou seja, as famílias mais pobres.

Pior: isso é feito de forma invisível e inevitável, com tributos embutidos nos preços". Assim – diz –, os 10% mais pobres do País gastam 32% de sua renda em tributos, a maior parte deles indiretos (sobre bens e serviços), os 10% mais ricos gastam 21%. 

Como o último País do mundo a abolir a escravidão, a resistência às reformas capazes de propiciar uma melhor distribuição da renda e da riqueza sempre foram bem-sucedidas aqui.

O processo distributivo, porém, não se deu sem traumas em nenhum dos países do Hemisfério Norte. Nos Estados Unidos e países europeus, o rompimento das barreiras que impediam o combate à desigualdade decorreu da irrupção de movimentos violentos e a da eclosão de duas grandes guerras mundiais.

Grandes catástrofes são um poderoso mecanismo de redução da desigualdade. Talvez, o único. É o que argumenta Walter Scheidel, pesquisador da Universidade de Princeton, no livro The Great Leveler: Violence and the History of Inequality from the Stone Age to the Twenty-First Century (O Grande Nivelador: violência e a história da desigualdade da idade da pedra ao século 21, numa tradução livre).

A tendência natural da sociedade é pelo aumento da desigualdade. E a única maneira de reverter esse processo é com algum evento traumático de grandes proporções — guerras, revoluções, colapso do Estado e epidemias. 

Com muita riqueza de dados e detalhes, Scheidel percorre a história da humanidade mostrando como isso se repete, analisando o fim do Império Romano, a peste negra, a Revolução Francesa, as revoluções comunistas e as guerras mundiais. 

Para ele, em tempos de paz e tranquilidade, interesses poderosos manipulam a sociedade para ampliar a sua parte do bolo. Historicamente a fusão entre o poder que cria riqueza e a riqueza que cria o poder somente foi rompida com conflagrações violentas.

Nessa construção, o evento mais "benigno" de redução da desigualdade foi a Grande Depressão dos anos 30. As políticas que ensejou teriam possibilitado a oportunidade de construção sociedades menos desiguais. 

Mais e mais pesquisadores têm alertado para a necessidade da construção de políticas públicas de enfrentamento da desigualdade no Brasil e no mundo sem arroubos e sobressaltos.

Se não formos capazes de avançar na construção desta agenda, dificilmente conseguiremos resgatar a democracia da crise e trazer de volta a confiança da população na política.

Em meio à mundo crescente de incertezas, exclusão e pobreza, é cada vez maior o risco, aqui e lá fora, da eleição de governantes que, em nome da democracia e do combate aos privilégios, venham justamente eliminar a primeira e consolidar a segunda.

É preciso estarmos atentos.

*Mário Lúcio de Avelar é procurador federal da República no Estado do Tocantins. Até 2011, atuou na Procuradoria da República em Mato Grosso.

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