Opinião
O País que somos e não queremos ver

O mapa da miséria nacional é uma imagem terrível. Desenhado não com base na projeção territorial, mas no tamanho de cada Estado, se for considerada a proporção de sua população de pobres sobre a população total, ele revela a insignificância do Brasil enquanto economia. Ele mostra que temos sido incapazes de ocupar com um mínimo de inteligência e decência a vastidão territorial sob nosso controle soberano. Estamos devendo muito em termos de eficiência e de equidade. E, pior, acreditamos, e acreditamos sem dar margem a questionamentos, que é possível aumentar a eficiência econômica desconsiderando a equidade social.

Olhe: este mapa bem poderia ser comparado ao desenho de um menino negro, de pernas finas, precisando projetar fortemente a cabeça para trás, a fim de conseguir manter-se em pé contra o peso de uma barriga enorme, consequência da esquistossomose avançada, contraída por falta de saneamento básico na favela onde mora. - Bem, com essa barriga, pode correr menos, e a polícia terá menos trabalho para apanhá-lo - certamente dirão uns brasileiros de hoje, de mentalidade enraizada em sabe-se lá que lodo antropológico.

- Que carga o Sul e o Sudeste têm que carregar!, constatarão outros brasileiros de índole separatista-higienista (os racistas acima junto com eles).

Eu olho este mapa e penso: Meu Deus! O que fizemos com o legado de pensadores de estatura e fibra como Celso Furtado e Josué de Castro? Este economista e este geógrafo chamaram a atenção para a absoluta necessidade de integração regional com redução das desigualdades, para que viéssemos a ser uma Nação capaz de almejar o desenvolvimento. Por isso tornaram-se o que são: ícones do pensamento social internacionalmente respeitados, dos poucos que temos, juntamente com Paulo Freire, que dedicou-se a pensar sobre como a educação pode libertar - mas não qualquer educação, não essa que estamos praticando: cara, ineficiente e incapaz de, no seu nível superior, produzir gente como Celso Furtado e Josué de Castro; quando muito, traz à luz um ou outro economista neoliberal falastrão, incapaz de se comunicar senão em inglês (com sotaque americano).

Eu olho este mapa e fico imensamente triste, por saber que qualquer esforço para modificá-lo esbarra e esbarrará, por muito tempo ainda, em preconceitos não de classe (embora em parte também), mas de grupos sociais de mentalidade retrógrada, que se comprazem em sustentar preconceitos e mesquinharias a troco de manter acesso a um padrão de renda que lhes parece alto, mas é ridiculamente baixo para os padrões internacionais; isso sem se dar conta que este padrão não irá subir enquanto o país não for economicamente explorado de modo inclusivo, de maneira a aproveitar sua gente - o que só será possível quando nenhum brasileiro for, mais, considerado menos do que gente, como hoje é considerado. Gente, essa massa de ossos, músculos, vísceras, sangue e cérebro, digna de existir e com potencial para brilhar, cada qual a seu modo, desde que possa comer, beber, vestir, morar, trabalhar com um salário decente. População: um tantão de gente -- e não uma massa de imprestáveis, com que a elite ilustrada ("gente fina, elegante", sincera?) tem que conviver, achando que a "carrega nas costas", feito a fatia verde do mapa, carregando o resto do País.

Eu olho este mapa e fico, aqui, achando que estamos produzindo mais uma ou duas gerações de brasileiros incapazes de pensar como Celso Furtado e Josué de Castro. Pessoas, primeiro, não habilitadas para ler com a sensibilidade do leitor que busca respostas para o mundo ao seu redor e, segundo, rançosamente preconceituosas (com sua meritocracia postiça), a ponto de se recusar à abordagem de autores que se preocuparam com o que eles acham resultado da falta de mentalidade empreendedora: a fome e a miséria.

Eu olho este mapa e me bate o desespero de saber que estamos numa trajetória acelerada para piorá-lo, com milhões de indivíduos aplaudindo e outros milhões observando, paralisados, como se isso não tivesse nada a ver com eles, no conforto de seus lares ou na desesperança de suas histórias pessoais e/ou familiares.

*Valdemir Pires é professor do curso de Administração Pública da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara.

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